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sábado, 6 de junho de 2009

Por Fernando Alvim

Anda tudo a queixar-se do que poderia ter sido, quando em muitas das vezes pode ser ainda. Escreve-se demasiado. Fala-se demasiado e faz-se pouco pelo amor. Os grandes romancistas sabem exactamente do que falo. E não deve ser por acaso, que na sua grande maioria – sobretudo os melhores – foram pessoas que não se safavam nada bem neste domínio. Veja-se por exemplo o Pessoa, as cartas a Ophelia são muito bonitas sim, mas se em vez de escrever tanto a expressar o quanto gostava de estar com ela, estivesse de facto com ela, as coisas teriam sido muito diferentes. Ou então não, já nem sei.
O amor pode ser uma coisa muito desgastante, tal como quando partimos para uma longa caminhada, em plena uma da tarde de um verão quente, e percebemos que as sapatilhas vão cedendo ao asfalto que escalda.
O amor é como uma qualquer refeição: se estiver demasiado ao lume, pode queimar-se. Daí que quando se parta para uma coisa destas, se use inicialmente o lume em valores muito próximos do máximo e depois, em quase todas as receitas, se aconselhe a colocar em lume brando. Embora eu não concorde, eu sei que é assim. Daí que muitas das relações se salvem por isto, por na verdade, terem percebido que não podiam estar sempre submetidas a altas temperaturas. E assim, se safam. Ou se adiam. De tal modo que com o tempo, depois do lume brando, há relações que se encontram a alourar, que é – como toda a gente sabe – o que lhe dá o verdadeiro gosto, o sabor que só o tempo sabemos poder dar. Mas há quem não o faça e normalmente esturrique o amor. Precisamente, porque não lhe terá sentido o cheiro a queimado.

in: Ritmos e Perspectivas

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